Acolher se tornou um pilar importante nas organizações. Cuidar, escutar, apoiar tudo isso ganhou espaço legítimo nas pautas de liderança, nos programas de Gestão de Pessoas e nas conversas sobre ambientes mais humanos.
Mas, em algum momento, a linha entre apoio e proteção excessiva começou a se desfazer. E o que era para ser cultura de confiança, passou a flertar com uma lógica de blindagem emocional. Hoje, em muitos contextos, acolhimento é confundido com evitar qualquer tipo de frustração. E proteger alguém, por vezes, significa impedir que ele enfrente o desconforto necessário para crescer.
Não se trata de abandonar o cuidado, mas de lembrar que ele também inclui a coragem de sustentar conversas difíceis com respeito.
A pergunta que permanece no ar é: será que, na tentativa de promover segurança, não estamos tornando as equipes menos preparadas para lidar com o inevitável desconforto do crescimento?
O risco da superproteção institucional:
Cuidar das pessoas não é o mesmo que protegê-las de todo desconforto. Mas, em muitas organizações, o discurso do cuidado ganhou um contorno delicado demais, como se todo retorno precisasse ser cuidadosamente embalado para não gerar desconforto. O problema é que, ao tentar evitar qualquer tipo de frustração, acabamos evitando também as conversas que promovem amadurecimento e evolução.
Neste contexto é comum confundir: Feedback com ofensa, alinhamento com constrangimento e franqueza com falta de empatia.
E assim, sem perceber, a cultura do acolhimento vai escorregando para uma cultura da dependência emocional institucionalizada.
A Cultura Netflix:
Na Netflix, como descreve o livro A Regra é Não Ter Regras (inclusive, livro excelente!), o discurso é outro:
“Feedback direto não é grosseria. É cuidado.” “Frustração não é falha. É parte do processo de crescimento.”
Lá, a franqueza é vista como um pilar de confiança e não como falta de sensibilidade. Eles acreditam que adultos devem lidar com conversas difíceis sem transformar tudo em drama corporativo.
Acolhimento ali não anula exigência. Ele anda junto com autonomia e com a coragem de dizer o que precisa ser dito. Talvez o problema não seja o acolhimento. Talvez o problema seja a forma como ele está sendo usado para evitar as conversas que realmente importam.
Quando a liderança perde a coragem de frustrar, ela também perde a capacidade de desenvolver. E quando o time só funciona na base do reforço positivo, ele não está pronto para lidar com a complexidade do mundo real.
O alerta por trás da boa intenção:
Em nome das melhores intenções, algumas empresas estão cultivando estruturas emocionalmente frágeis. Ambientes com muita escuta, empatia e cuidado, mas que, aos poucos, vão se esvaziando de clareza, responsabilidade e coragem para sustentar o que precisa ser dito.
Se continuarmos confundindo desconforto com agressão, corremos o risco de construir ambientes tão acolhedores que o crescimento deixa de ter espaço. Ambientes onde o medo de ferir supera a responsabilidade de desenvolver.
A sua cultura está formando pessoas preparadas para evoluir ou apenas amortecendo a realidade do trabalho em nome do bem-estar?